sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Rio -filme



Com toda evolução das animações nos últimos anos, principalmente em seu lado narrativo, que parece a cada lançamento mais a vontade com a idéia de ser um filme completo e não só uma animaçãozinha (naquele sentido pejorativo que muita gente ainda prefere usar), é ainda de surpreender que Rio aposte, justamente, em uma certa infantilização pouquíssimo interessante.

Dirigido pelo brasileiro Carlos Saldanha, depois de emplacar os sucessos de A Era do Gelo (os dois últimos como diretor, o primeiro como co-diretor), agora é hora de contar a história dessa ararinha azul, Blu, que cresce domesticadamente na gelada Minnesota (depois de ser capturada no próprio Rio de Janeiro por traficantes de animais silvestres), mas acaba se descobrindo o último macho de sua espécie e, com isso, volta para a capital carioca para cruzar com uma fêmea de sua espécie, Jade. Lá, cai mais uma vez nas mãos de traficantes silvestres e é obrigado, agora com uma companhia, a fugir do cativeiro e ainda achar sua dona.
É lógico que o fraquíssimo roteiro, que é uma idéia do próprio Saldanha, porém é escrito por Don Rhymer (que também assinou a “trilogia” Vovó… Zona, o que explica bastante coisa), está ai como uma desculpa para o diretor prestar sua homenagem ao Rio de Janeiro, em toda sua beleza, seu balé de cores, sua natureza exuberante e todos os cartões postais que fossem possíveis serem mostrados, o que demonstra um trabalho tremendamente habilidoso de todo departamento de arte do filme, mas que, mesmo assim, não consegue esconder um ritmo falho e repetitivo, que não deixa o Rio empolgar.

O espectador é visualmente arrebatado com todas as cores, e até vai se divertir com a boa caracterização dos personagens (olha ai o departamento de arte novamente), não só acertando no visual dos animais, mas também apostando em toda personalidade deles, mas é impossível não se entediar com a estrutura quadrada demais e a falta de ambição. Como se estivesse contente em ser apenas uma animação infantil em 3D, onde seu personagem cai, escorrega e corre de algum vilão com cara de mal, entrecortado por alguns números musicais meio canhestros e sem graça (que parecem todas as versões tiradas daquele disco do Sérgio Mendes, Timeless, que, por coincidência ou não, foi quase todo produzido pelo mesmo Will.I.am, do Black Eye Peas e que também empresta a voz aqui, para o passarinho Pedro), e pior, não tendo vergonha nenhuma de, simplesmente, repetir tudo isso algumas vezes.

Por outro lado, Saldanha (por ser brasileiro) acaba se aproveitando para brincar (já que, se fosse outro cineasta a patrulha dos politicamente corretos já estaria bradando seu nome por ai), não só o jeito espalhafatoso e quente do Brasil, ainda mais durante o Carnaval, como com uma certa simpatia que transborda por toda situação, mesmo que, quando longe das confusões visuais, “Rio” acabe sendo pouco, ou nada, engraçado, mas as cores, a alegria e o samba acabam contagiando mais do que chateando.

E mesmo com esses furos, Rio acaba sendo uma boa pedida para os menorzinhos, enquanto enchem a boca de pipoca e são hipnotizados pelo 3D, já os maiorzinhos vão até achar irônica a famosa corrida da galinha em Cidade Deus ser encarnada por um outro tipo de ave, mas ao mesmo tempo, ficará completamente incomodado com a desculpa estapafúrdia para os personagens “furarem” um desfile no meio do sambódromo (que convenientemente tinha como tema um monte de aves). Um resultado pouco equilibrado, mas que deve fazer um baita sucesso, já que (como eu já falei e repeti e reiterei) são cores demais, bichos simpáticos demais, samba demais e amor demais para qualquer um se irritar no final das contas.

O palhaço -Filme


Dizem que o circo é uma família, e a de Benjamin (Selton Mello) está em crise.

Enquanto todos ao seu redor estão em harmonia em seus laços - o casal de acrobatas, os irmãos músicos, o ilusionista e sua filha - o palhaço conversa pouco com seu pai (Paulo José), também palhaço e dono do picadeiro. Existe algo incomodando Benjamin em O Palhaço, e não parece ser somente a pressão para comprar um ventilador novo para a namorada do pai, Lola (Giselle Motta), a dançarina do circo.

Em entrevistas, Selton Mello diz que este seu segundo longa-metragem como diretor, depois de Feliz Natal, não tem nada de autobiográfico. O ponto de partida, porém, foi a crise criativa que tomou o ator em 2009 - o artista que se questiona no filme e que vai atrás da sua identidade (literalmente, já que Benjamin tem só uma certidão de nascimento caindo aos pedaços) seria uma forma de encarar e curar essa crise.

Não é inédita, de qualquer forma, a imagem do palhaço triste, que pinta um sorriso sobre a boca, faz todos rirem mas chora por dentro. Ela é quase indissociável da arte do circo durante o século 20, quando o ocaso dos espetáculos itinerantes, substituídos pelo cinema, rendeu filmes melancólicos como Os Palhaços (1970), de Fellini. Não por acaso, Mello cita entre suas referências para o filme alguns ícones da memória afetiva do humor: Jacques Tati, Oscarito, Didi Mocó.
O Palhaço tem um pouco de Wes Anderson também. Por onde passam, Benjamin e sua trupe são mostrados com aqueles enquadramentos geométricos de tableau vivant que marcam o cinema de Anderson - e Benjamin, com sua fala engasgada e sua postura reta, de quem enrijeceu com tantos dilemas mal resolvidos, bem que podia ser um dos excêntricos Tenenbaums.
O que torna o filme particular, e não só um apanhado de (boas) referências, é que elas estão servindo em O Palhaço para fazer um elogio autêntico da tradição brasileira do humor verbal. Os enquadramentos geométricos transformam toda situação num palco em potencial. Quando Benjamin e os demais encontram o mecânico ou o delegado (Tonico Pereira e Moacir Franco em suas respectivas participações especiais), os personagens são dispostos na cena para que um fique no "palco" (a oficina, a mesa do delegado) e os demais fiquem na "plateia" (o banco dos réus onde Benjamin se senta).

No fundo, é nessa homenagem a nomes da comédia nacional que Selton Mello - e Benjamin - encontra a cura da sua crise. É uma cura pela coletividade, por sentir-se parte de algo, sentimento que tem uma boa expressão justamente no mundo do circo.
Isso fica mais do que evidente no plano (também geométrico) em que Jorge Loredo conta uma piada, sentado na ponta de uma mesa. A piada nem é tão boa assim, mas a interpretação do eterno Zé Bonitinho a melhora consideravelmente. Na outra ponta da mesa, de novo em posição de plateia, Benjamin sorri de verdade, enfim encontrou alguém que o fizesse rir.